Os desafios do tratamento com Exodontias

     A Ortodontia vive maravilhando aqueles que tem a ousadia (e a felicidade) de encontrar nessa especialidade o seu caminho. No princípio, a simples correção de apinhamentos, de dentes girovertidos, o alinhamento e nivelamento nos encantam! Com a evolução na especialidade, é natural que o foco do nosso encantamento vá mudando para desafios maiores.

     Iniciamos nosso aprendizado pelo diagnóstico, pilar fundamental para um bom planejamento ortodôntico. Com esse conhecimento mais sedimentado, somos capazes de enxergar novos desafios: a correção das más oclusões de Classe II e III, mordidas cruzadas anteriores e posteriores, mordidas abertas, sobremordidas profundas. Ao sermos capazes de diagnosticar esses problemas, surge a maior preocupação do neófito em Ortodontia: que mecânica usar para corrigir essas más oclusões? A que detalhes devo estar atento(a) para não errar?

     Correções transversais, sagitais com distalização, uso de elásticos. Até esse ponto, o aprendizado deve ter sido suave e relativamente indolor. Mas eis que surge o desafio extremo: exodontias!!! O que nos preocupa de início é se conseguiremos fechar aqueles espaços todos. Afinal de contas, cada pré-molar tem em média 7mm!

     São preocupações naturais do aprendizado; diria saudáveis, até. Tenho uma certa reserva daqueles que não temem nada, os que sem ter um maior domínio da área vão se aventurando sem maiores cuidados. Algumas noites mal dormidas por excesso de zelo com seus tratamentos apenas demonstram o quanto responsável você é!

     Saiba que todos passamos por isso. Com a experiência, você vai perceber que “fechar espaços” é a menor das nossas preocupações. Em um caso com quatro exodontias, temos que estar atentos a vários outros fatores: impacto das retrações no perfil, ancoragem (absoluta ou recíproca), atrito (que por vezes “trava” o movimento), inclinação excessiva dos incisivos para palatino/lingual, aumento da sobremordida,  inclinação dos molares, rotação mandibular, consumo do overjet, muitos fatores enfim.

     Tratar um caso com quatro exodontias tem suas peculiaridades. Ortodontistas com muitos anos de especialidade ainda evitam fazê-lo. Há alguns problemas. O maior deles reside na região de incisivos e recebeu um nome pomposo: perda do controle de torque anterior. Que significava basicamente a inclinação excessiva (e na maioria das vezes, indesejada) dos incisivos para palatino/lingual quando a retração está em curso. O resultado da perda de torque é o aumento da sobremordida, a piora na estética do sorriso e o pior, o consumo do overjet (sobressalência) antes que se terminasse o fechamento dos espaços. Muitos casos terminam com os caninos em relação de Classe II por esse motivo.

     “Antídotos” para esses efeitos existem, mas a maioria deles, ainda amplamente ensinada em muitos cursos de Ortodontia, não são tão simples.

formas de controle do torque anterior

1- Torque Resistente

   A primeira forma de se evitar que haja perda de torque anterior é aplicando torque resistente ao arco. Desse modo, a torção aplicada ao arco (dobra de terceira ordem) é transmitida ao slot do bráquete fazendo com que o dente receba uma força que se contraponha à força de verticalização exercida na retração.

     Há três problemas em se trabalhar com torques:

a) Demandam treinamento e é preciso obedecer ao tempo da curva de aprendizagem e experiência, sendo difícil para iniciantes na Ortodontia;

b) Demandam maior tempo de cadeira durante os atendimentos;

c) Dentes não respondem ao torque de maneira uniforme e linear. Há ocasiões em que a reposta do dente ao torque no arco demora 30, 60, 90 dias ou até mais.

2- Prescrições diferenciadas

     Outro modo de obter esse controle é utilizando bráquetes com prescrições de torque vestibular maior. Assim, ao ser inserido o arco retangular de calibre máximo, os incisivos irão ter maior inclinação vestibular, compensando antecipadamente a perda do torque que irá ocorrer durante a retração. Desvantagens dessa opção:

a) Atingir o arco máximo usando slot 022” é um desafio, pois o arco 0,021”X0,025” é extremamente rígido, só podendo ser inserido após os dentes estarem perfeitamente alinhados e nivelados. Além disso, as altas forças liberadas por esse arco causam grande desconforto ao paciente;

b) É necessário ter em seu arsenal de bráquetes uma outra prescrição de bráquetes somente para casos com extração. Para uma Ortodontia ágil, que visa atender um maior volume de pacientes de forma otimizada, a simplificação da logística do consultório é fundamental. Buscar reposições para diversos tipos de prescrição por exemplo, toma tempo do Ortodontista e da equipe auxiliar.

3- Alterações na Curva de Spee

    A acentuação da curva de Spee superior/reversão da curva de Spee inferior é outra maneira bastante utilizada de se fazer o controle de torque. Essa forma de trabalhar também peca pela falta de precisão. Curvas acentuadas em excesso geram inclinação maior que a necessária, curvas pouco acentuadas não promovem a inclinação ideal. Essa “briga” entre o que se consegue e o que seria ideal consome meses preciosos de tratamento.

4- Preenchimento dos slots dos bráquetes superiores pelos arcos

     Quando se consegue inserir um arco retangular com altura próxima a dos slots dos dentes anteriores, o controle de torque acontece automaticamente, sem necessidade de realizar torques e curvaturas nos arcos ou modificar a prescrição dos bráquetes. É dessa forma que o controle de torque anterior é feito na Técnica Bidimensional.

A Técnica Bidimensional

     Essa técnica, que nos permite tratar qualquer tipo de má oclusão, talvez encontre sua maior potencialidade em casos com exodontias. Há um casamento perfeito da mecânica exigida nesses casos com as características da Técnica Bidimensional: Controle de torque anterior e Diminuição do atrito posterior.

Controle de torque anterior

     O fato de os bráquetes dos incisivos possuírem slot 0.018” (altura da canaleta) na Técnica Bidimensional faz com que seja possível preencher esses slots com arcos 0,018”X0,025”, com controle preciso de torque. E isso de forma automática, sem dobras, sem trocar a prescrição, sem ter que imprimir curvas extras nos arcos. Menor tempo de cadeira e principalmente, podemos assim dirigir nosso foco para outros tantos aspectos importantes do nosso tratamento.

     Observe o caso clínico abaixo.  Note que durante a mecânica de retração anterior, os incisivos mantêm uma inclinação (torque) bastante favorável, permitindo o fechamento dos espaços com precisão.

Fonte: Autor

Diminuição do atrito posterior

     Como o arco de maior calibre utilizado na Técnica Bidimensional é o 0,018”X 0,025”, há uma diminuição considerável de atrito no deslize dos arcos pelos dentes posteriores já que, de caninos a molares o slot utilizado é o 0,022”. Essa folga de 0,04” entre arco e slot faz com que a mecânica de deslize seja ágil, leve e descomplicada.

     A diferença entre tamanhos dos slots dos incisivos e dos demais dentes, faz toda a diferença, especialmente em casos com extrações. O preenchimento dos slots anteriores (seta amarela) e a folga nos slots posteriores (setas vermelhas) permitem que a retração seja realizada de forma descomplicada e com ótimos resultados. A melhor definição do potencial dessa técnica (não por acaso, a mais simples) talvez seja a de seu idealizador, Anthony Gianelly: “Precisão e Praticidade”.

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Fonte: Autor

Esse post foi criado pelo Professor:

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Augusto Iunes

Professor do Instituto Marcelo Pedreira