A mastigação e sua influência no Desenvolvimento Craniofacial

     A Odontologia lida com uma das áreas anatômicas mais refinadas do corpo humano do ponto de vista neuromuscular. Possui uma capacidade incrível de adaptação, deve ser estudada e compreendida em todos os seus aspectos fisiológicos para permitir tratamentos que melhorem seu funcionamento. É somente por meio de uma função equilibrada e harmoniosa que um sistema em desenvolvimento pode crescer saudavelmente, evitando prejuízos e mantendo esses resultados constantemente ao longo da vida adulta. O verdadeiro objetivo da Odontologia deve ser o equilíbrio funcional e a harmonia do sistema estomatognático. A mastigação requer coordenação precisa entre oclusão dentária, músculos mastigatórios, estruturas articulares e controle motor. A entrada periférica proveniente dos receptores periodontais dos dentes é numericamente concentrada, sensível, altamente especializada e extremamente rápida em atingir os centros neurais alocados ao controle mastigatório (PIANCINO; KYRKANIDES, 2016).

     O crescimento craniofacial depende de fatores genéticos e epigenéticos (ENLOW, 1993).

     São três os padrões faciais e cada um deles com um padrão muscular:

  • Padrão Mesofacial: caracterizado por um padrão de crescimento facial médio, quando os terços da face estão equilibrados, bem como a altura cuspídica, a distância intercondilar e o ângulo goníaco;
  • Padrão Braquifacial (face curta): caracterizado por um padrão de crescimento facial horizontal, altura facial inferior diminuída, musculatura forte, altura cuspídica baixa, distância intercondilar grande e ângulo goníaco diminuído;
  • Padrão Dolicofacial (face longa): padrão de crescimento vertical, altura facial inferior aumentada, o ângulo goníaco aberto, musculatura em geral débil, distância intercondilar pequena e cúspides altas (BIANCHINI, 1998).

     A função e/ou a parafunção não modificam nem desenvolvem um tipo facial, mas podem acentuar ou atenuar esse biotipo.

     Durante a ontogênese, a estrutura segue a compensação funcional e vice-versa (SLAVICEK, 2012).

     A mastigação é um dos fatores modeladores mais importantes do sistema estomatognático, responsável, em grande parte, pelo crescimento e desenvolvimento craniofaciais.

     Ela é ensaiada na vida intrauterina através da deglutição e sucção (SIMÕES, 2003). Ao nascimento, temos a presença dos reflexos da respiração, deglutição, sucção e ordenha, que garantem a sobrevida do bebê. Quando os bebês nascem, em geral apresentam a mandíbula retro posicionada em relação à maxila. A sucção e ordenha constituem a primeira fase da mastigação. A mandíbula realiza movimentos protrusivos e retrusivos, sincronizados com a deglutição e a respiração. Estes movimentos excitam as cabeças da mandíbula, promovendo crescimento e remodelagem de ramo com consequente crescimento mandibular (BASTOS; CHEDID, 2013).

     A partir dos 6 meses de vida, já devem ser introduzidos alimentos pastosos e cada vez mais sólidos ao bebê. Por volta dos 2 anos e meio, a dentição decídua deve estar completa. A mastigação deve ser bilateral e alternada, com ângulos funcionais mastigatórios simétricos, para propiciar o crescimento equilibrado dos maxilares (PLANAS, 1997). A consistência dos alimentos também influencia, por isso a preferência deve ser por alimentos fibrosos e consistentes (FLORIANE, 2019). A oclusão deve estar equilibrada.  Esse equilíbrio deve acontecer antes dos 6 anos de idade, onde ao harmonizar a função mastigatória, as forças oclusais que são distribuídas entre os arcos permitirão que os ossos do crânio finalizem seu desenvolvimento de acordo com uma trajetória de remodelação mais equilibrada (DESHAYES, 2013).

     O estímulo mecânico é percebido pelas células osteoprogenitoras, que são transformadas em pré-osteoblastos, depois em osteoblastos. Durante todo esse processo as células ósseas permanecem interconectadas pelos prolongamentos que emitem, formando uma rede celular conectada. Isso permite a propagação do estímulo para as células que estão distantes de onde ocorreu o estímulo mecânico. Ou seja, o remodelamento ósseo acontecerá não só no local do estímulo, mas em toda a extensão dessa rede (VALÉRIO, 2020).

     Ao examinar nossos pacientes, principalmente na dentição decídua precisamos estar atentos não só para os sinais estáticos da oclusão como também, devemos analisar a dinâmica mandibular. Podemos encontrar uma oclusão aparentemente equilibrada, mas se houver desequilíbrio nas trajetórias mandibulares estaremos diante de uma função incorreta, gerando estímulos inadequados, que podem causar o desenvolvimento assimétricos dos maxilares. Se detectarmos qualquer alteração, devemos tratar o mais cedo possível para possibilitar o crescimento e desenvolvimento harmoniosos, alcançando, assim, a meta que todo profissional de saúde busca: a prevenção.

Figuras 1 e 2 – Importância das forças de mastigação e consistência do bolo alimentar para o desenvolvimento craniofacial. As setas vermelhas representam a transmissão de forças musculares através dos dentes durante a mastigação.

Fonte: Piancino (2016)

     Cinética mandibular no plano frontal: a mastigação deve ser bilateral e alternada com ângulos funcionais adequados e simétricos para que os estímulos aconteçam de forma equilibrada. O esquema abaixo mostra cinética mandibular, a direita e a esquerda.

Figuras 3 e 4 – Cinética mandibular (direita e esquerda).

 

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Fonte: Piancino (2016)

Figura 5 – A dinâmica da mastigação numa vista frontal. Movimento mandibular em vista frontal. Área de crescimento presente na sutura palatina mediana.

 

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Fonte: Bastos (2013)

Figura 6 – As forças oclusais no sentido sagital estimulando o crescimento póstero anterior da maxila. Movimento mandibular em vista sagital. Área de crescimento presente na sutura palatino transversa.

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Fonte: Bastos (2013) pág. 6

REFERÊNCIAS

BASTOS, S. H. Crescimento e desenvolvimento craniofacial do recém-nascido até o estabelecimento da dentadura decídua. In: CHEDID, S. J. Ortopedia e Ortodontia para a Dentição Decídua, São Paulo: Santos, 2013. p 1-7.

BIANCHINI, E. M. A Cefalometria nas alterações miofuncionais; diagnóstico e tratamento fonoaudiológico. Carapicuíba: Pró Fono, 1998, p. 107.

COSTA, H. N.; SLAVICEK, R.; SATO, S.  A computerized tomography study of the morphological interrelationship between the temporal bones and the craniofacial complex. Journal of Anatomy, London, v. 220, n. 6, p. 544–554, Jun. 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3390508/. Acesso em: 13 jul. 2020.

ENLOW, D. H. Crescimento Facial. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1993. p. 24-36.

JAUNET, E.; LE GUERNB, A.; LE TACON, P.; THERY-DUMEIX, C.; DESHAYES, M. J. Uncovering and treating asymmetry before 6 years in our daily clinical practice: Option or obligation? Orthodontics or orthopedics? International Orthodontics, Paris, v. 11, n. 1, p. 35-59, Mar. 2013. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1761722712001192?via%3Dihub. Acesso em: 13 jul. 2020.

PIANCINO, M. G.; KYRKANIDES, S. Understanding Masticatory Function in Unilateral Crossbites. 1. ed. Oxfort, UK: John Wiley & Sons, 2016.

REMY, F. et al. Morphometric characterization of the very young child mandibular growth pattern: What happen before and after the deciduous dentition development? American journal of physical anthropology, Hoboken, v. 170, n. 4, p. 496-506, Dec. 2019.

SIMÕES, W. A. Ortopedia Funcional dos Maxilares através da Reabilitação Neuro Oclusal. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2003. p. 93-96.

VALÉRIO, P.; SIMÕES, W. A.; DUARTE, D. Ortopedia Funcional dos Maxilares: Pesquisa e Excelência Clínica! São Paulo: Napoleão, 2020. p. 28-39.

Esse post foi criado pela Professora:

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Valéria Medau

Professora do Instituto Marcelo Pedreira